segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

At the beginning.

Algo tiniu no horizonte.
"Uma estrela tombou?" - Não!
Não são os pássaros cantando
Não são as cigarras nem as rãs.
São as brocas dessas pequenas pessoas
Perfurando o tecido deste dia.

Um sorriso foi esquecido na relva
E eu sei que você ouviu aqueles dentes prateados
ricocheteando pelo jardim. O verde rutilou
e seu olhar estremeceu:
"Uma bomba!" - Você disse e sorriu.

Cortinas se fecharam então
E mundos implodiram
E o vento retirou seus dedos esquálidos
Do pico desta Lira. O sol ofegou,
fraquejou e gritou.

De dentro do gritou surgiu, rastejando pelas veredas
Da garganta vermelha do astro
Algo indizível que nós chamaríamos de noite se não o fôssemos tão
Distraídos.

"Mas o que resta deste dia?"
Dois pontos, eu disse, dois pontos fixos
Num lugar obtuso - um céu! - "Talvez!"

Você ouviu? - eu perguntei se você ouviu?
Ouviu o choro daquele bebê, aquele choro puro
que não atraíu a atenção dos reis magos e nem de Deus?
Era o amor. Uma sombra lançou contra ele
uma mão dourada; o fez sussurrar segredos
e então o demoliu.

Um estampido!

Meu deus, você disse, como tudo isso é lindo!
Eu disse que não precisava se preocupar.
Que a beleza não morderia,
Dessa vez.


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quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A Polaróide

Eles escutaram um ruído, um ruído de algo sendo arrastado pela folhagem do Jardim. Pensaram eles que o barulho era causado pelos animais do Jardim, mas não imaginavam que naquele dia o próprio Deus faria uma vistoria pelo Éden, e foi com grande surpresa que ao saírem correndo do bosque trombaram contra o manto sagrada da Divindade sem rosto, que por ali se arrastava naquele momento, como uma cobra. O homem, conhecido pelo nome de Adão, tremendo de medo com esse encontro, abraçou fortemente a mulher ao seu lado, que era conhecida pelo nome de Eva, mas bem poderia ser Lilith ou Pandora ou Helena ou Medeia ou qualquer outra femme fatale dessas. Fato foi que a mulher, diferente do homem, não teve medo, e encarou a Divindade em todo o seu esplendor, quase ficando cega diante do brilho que emanava do lugar onde deveria estar o rosto da Criatura. Poderia ela em toda a sua ousadia de mulher evocar versos contemporâneos, exortando a Divindade a mostrar seu olho, seus dentes, ou mesmo sua língua, mas ela apenas encarou o sol diante de si, e a Divindade, indiferente em toda a sua potência, apenas continuou a passagem, desbravando com uma foice de caçador a mata a sua frente, coisa desnecessário, visto que com um único Fiat ela faria aparecer estradas fabulosas diante de si.




Adão, tendo uma vez percebido a ausência do Deus, se desgarrou do pescoço de Eva, ainda tremendo muito, e sem entender muita coisa, voltou correndo para o bosque, deixando a mulher para trás. Eva resolveu seguir a Divindade, pois se via presa de uma sensação que não sabia dar nome, mas que sabia sentir. E no seu conhecimento, ela averiguou com ar científico que essa sensação lhe causava cócegas, que a impelia a mexer os dedos dos pés, a disparar um passo após o outro, e dentro de toda essa querela de averiguações, quando deu por si, estava novamente diante da Divindade sem rosto, pisando inclusive sob o seu manto sagrado, impedindo de vez que a poderosa Criatura se movesse espontaneamente pelo Jardim. A Criatura uma vez muito espantada com a ousadia de animal curioso de Eva, se encantou com essa inocência, e ante o brilho dos olhos de Eva, que eram nada mais que reflexos de seu rosto fulgurante, resolveu em um ato de contemplação sacar de seu manto uma máquina fotográfica muito espantosa, e apontando-a em direção a Eva, disparou contra ela um flash fulminante, que deixou a ousada mulher assustada, fazendo-a correr de volta para o bosque em procura de seu Adão. A máquina fotográfica era uma polaróide, e de imediato imprimiu a bela fotografia de Eva, que a Divindade guardou com muito carinho junto a máquina fotográfica que era devolvida ao manto.




Nesse mesmo dia e nessa mesma hora, essa mesma divindade plantava no centro do Jardim uma semente misteriosa, que dentro de alguns dias se tornaria uma árvore grandiosa - e, diga-se de passagem, uma das árvores mais famosa da História da humanidade - com imensos frutos vermelhos. A Divindade, mais uma vez encantada diante de sua criação - como uma criança após construir um castelo na areia ou após resolver um complicado quebra-cabeça - se viu tomada de um orgulho paterno pela árvore e ordenou aos seus filhos, Adão e Eva, que daquela árvore nenhum fruto poderia ser consumido, deixando com eles um opúsculo que ditava regras de como cuidar do vegetal mimoso. A Divindade, muito desconfiada de suas criaturas como um pai desconfia da criança que olha fixamente para o doce no alto do armário, deixou como precaução seu cajado para que da árvore esse tomasse conta. O cajado do Deus, muito seduzido pela beleza da árvore, que também poderia ser chamada de Eva ou Lilith ou Pandora ou Helena ou Medeia, se transformou num animal rastejante, e pregando-se uma vez na árvore, resolveu passear por todos os seus galhos hirtos, que provocavam em sua pele deliciosas sensações. Eva, que sempre se escondia na moita para admirar a formosura da árvore durante o dia, acompanhou de perto toda a metamorfose do cajado em serpente e toda a sua lascívia de então para com a árvore. O chamego entre os dois era tanto, que num dia desses no Éden, a árvore deixou cair sob o matagal um de seus frutos, que aos olhos de Eva se tornou uma pedra preciosa, seduzindo assim a corajosa mulher a se lançar no mato e coletar o fruto.
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Eva o levou para o bosque, onde morava com Adão, e para que o homem não visse o seu tesouro, escondeu ele numa moita especifica, aonde ela ia todas as manhãs admirar a beleza e o brilho daquela jóia vermelha. A Divindade, que tinha olhos espalhados por todo o Jardim, não deixou esse capricho de Eva impune. Irritada como uma enguia, ela foi um dia procurar por Eva, e sem qualquer hesitação ou meditação, lançou em suas mãos a bela fotografia tirada muitos dias antes. Eva, que não entendia nada daquilo, apenas pegou a fotografia e a olhou, indiferente. O Deus furioso sacou de seu manto um espelho, e o entregou de muito mau humor para Eva. Essa, ignorante em tudo aquilo, apenas olhou o pedaço de quartzo com calma e indiferença, mas qual não foi a sua surpresa ao perceber que esse vidro refletia sob sua superfície fria a mesma imagem que ela via todas as tardes quando ia coletar água no lago do Éden. Eva se descobriu ali, nua e envergonhada, diante da Divindade, do espelho e da fotografia. Correu em lágrimas na direção de Adão, e se escondeu atrás do corpo dele, muito triste e sentindo vontades de se esconder atrás das plantas, das árvores, dos animais, com uma imensa sensação de querer penetrar no lago e nunca mais sair de dentro dele. A Divindade, muito inescrupulosa em sua vingança juvenil, coletou o fruto da moita, arrancou dele um pedaço grande e se juntando a Adão, acusou Eva de ter desrespeitado as leis gerais do Jardim, tendo roubado da árvore que lhe era tão cara um de seus frutos. Adão, escandalizado com a impostura da Divindade, retrucou, exigindo direitos de defesa diversos. A Divindade, impassível em sua decisão, condenou ambos ao exílio, e assim foram expulsos do Jardim esses nossos antigos avós, que deram inicio ao mundo. Nascidos sob a égide suspeita dessa Divindade e depois lançados no deserto da vida como dois desafortunados. Não é de se espantar que ambos tiveram os nomes retirados do testamento glorioso do Deus. A fotografia de Eva nunca foi encontrada, mas revistas importantes da atualidade já empreenderam buscas estupendamente caras na esperança de achar essa raríssima polaróide.
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segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Johnny vai à guerra


Uma das reflexões cinematográficas mais sombrias já feitas sobre o absurdo da guerra. A rigor, é mais um pesadelo do que um filme, e a sensação que deixa no expectador sensível é uma das mais atrozes. Reduzido à "um pedaço de carne com vida", o personagem Johnny está preso a cama de um sinistro hospital. Após sofrer a explosão de uma granada no campo de batalha, perdendo braços e pernas e tendo a metade do rosto desfigurada, o personagem "acorda" e percebe que perdeu sua mobilidade e sentidos. Porém, ainda vive dentro do seu corpo uma consciência que tem pensamentos e memória, e é a partir dessa fração de consciência, alojada no toco pensante, que seremos introduzidos não à realidade concreta da guerra, mas antes (e o que é pior) ao extrato subjetivo de uma experiência-limite.
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Presa ao próprio corpo, a voz da consciência de Johnny toma conhecimento de sua situação inaudita, iniciando assim um monólogo estarrecedor. A biografia do personagem começa a ser delineada, e ao contrário de uma história coerente, somos arremessados contra uma memória estilhaçada, que irá atualizar o mórbido projeto machadiano de narrar a própria vida de dentro do sepulcro. A singularidade da experiência de Johnny lança luz à experiência moderna onde o corpo se tornou o túmulo. No cinema contemporâneo podemos encontrar um símile dessa nova espécie de tragédia engendrada pela imaginação febril de um século prodigioso em guerras e massacres de toda ordem. Trata-se do sutil O escafandro e a borboleta, filme de rara beleza e melancolia. O que difere esse filme francês do tortuoso Johnny Got His Gun (título original do filme) é que, enquanto no segundo a beleza é tristeza e a melancolia é envolvida numa serenidade catastrófica, permitindo ao expectador uma espécie de catarse solidária com o personagem; no primeiro toda a melancolia foi proscrita, dando lugar a uma tensão quase insuportável; a beleza é convulsiva (como queria Breton. As referências ao movimento surrealista não param por aí) e a solidariedade com o personagem é, antes de tudo, uma identificação completa. Johnny cativo a uma maca, depositado em um quarto aos fundos do hospital, "para que ninguém o veja", com os braços e as pernas amputados, o rosto desfigurado, um toco de gente que ainda ousa pensar em se livrar de sua situação hedionda, é o próprio homem contemporâneo se debatendo em sua incapacidade crônica de enfrentar um mundo onde todos as referências foram devastadas do "horizonte do provável".
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Difícil dar conta da magnitude de um filme como Johnny vai à guerra. Do monstro Frankenstein, de Mary Shelley, que permanece escondido dentro de um armário burguês observando a vida dos outros por uma única fresta, até as maquinações estupendas de uma imaginação como a de Kafka, culminando na apatia extrema de um Mersault ou na náusea diante do mundo de um Roquentin, ou seja, uma galeria de personagens-limites, não fica difícil descobrir a gênese de um Johnny: filho de um mundo devastado, onde a vida se retirou para dar lugar a uma tentativa fátua de sobreviver ao caos. É fácil soerguer o corpo quando levamos uma queda, mas o que fazer quando o corpo se tornou a própria queda? Como disse Flaubert diante do tribunal que julgava seu mais famoso romance: "Madame Bovary c'est moi!", podemos, se formos sinceros o suficiente, gritar: "Johnny somos nós."


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sábado, 27 de novembro de 2010

Um começo exemplar


"Trate-me por Ishmael. Há alguns anos - não importa quantos ao certo -, tendo pouco ou nenhum dinheiro no bolso, e nada em especial que me interessasse em terra firme, pensei em navegar um pouco e visitar o mundo das águas. É o meu jeito de afastar a melancolia e regular a circulação. Sempre que começo a ficar rabugento; sempre que há um novembro úmido e chuvoso em minha alma; sempre que, sem querer, me vejo parado diante de agências funerárias, ou acompanhando todos os funerais que encontro; e, em especial, quando minha tristeza é tão profunda que se faz necessário um princípio moral muito forte que me impeça de sair à rua e rigorosamente arrancar os chapéus de todas as pessoas - então percebo que é hora de ir o mais rápido possível para o mar. Esse é o meu substituto para a arma e para as balas. Com garbo filosófico, Catão corre à espada; eu embarco discreto num navio. Não há nada de surpreendente nisso. Sem saber, quase todos os homens nutrem, cada um a seu modo, uma vez ou outra, praticamente o mesmo sentimento que tenho pelo oceano."


Pois é.


Melville, em Moby Dick.




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quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Os mortos

Mas também havia vezes em que acreditavam na ilusão não só da segurança como da permanência.
G. Orwell
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Um homem como eu! Como é que acontece uma coisa dessas comigo!? A vida foi difícil, ah se foi... - Sussurrou um velho, desconhecido de todos ali presentes, mas não baixo o suficiente que alguém ao seu lado não pudesse ouvir o arranhar de seus lábios. O velho sentiu uma mão pousar suavemente sobre seu ombro, porém, mergulhado em si mesmo e em divagações sombrias, o leve toque dos dedos sob seu ombro lhe pareceu tão pesado como uma pedra tombando em suas costas. Voltou o rosto contra a pessoa que lhe incomodava e, com os olhos prestes a saltar das órbitas, fez a mulher que o interrompia se afastar, horrorizada. Só queria perguntar se estava tudo bem!, disse ela ao velho, no entanto quase sem mover os lábios. Como resposta, recebeu apenas um muxoxo da parte do velho. Mas como? Não morri?, disparou o velho, fazendo com que todos os rostos imediatamente se voltassem em sua direção, como uma fileira de metais atraídos por um único e poderoso ímã. O caixão descansava no centro da pequena sala como um basalto à beira de um penhasco com vista para o mar. Um caixão enegrecido, vetusto, envelhecido não pelas eras, mas pelos olhares que o trespassaram. O velho levantou-se de seu lugar como um animal assustado, depois, esbravejou no ar uma série de resmungos, e saiu da sala, lançando aos presentes reclamações descabidas. Ora essa! Pensei que se tratava de meu velório, mas não! É um homem que nem conheço, é um homem que nem é eu!!! - gritou o velho e apontou o dedo em direção ao caixão. Escutou, em seguida, um som de risadas que vinham do lugar onde estivera sentado antes, risadinhas agudas, quase fantasmáticas. Têm sapos aqui?, perguntou ele e correu para fora da sala, aterrorizado.
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Na saída, o velho bateu de frente com um homem que entrava. Após inúmeros pedidos de desculpas da parte do homem, o velho respondeu-lhe através de um salamaleque e saiu apressado, lançando a mão ao ar diversas vezes, como quem espanta moscas. Ó, um morto! - pensou espantado assim que adentrou completamente na pequena sala - quanto tempo não vejo um. Mas basta! Essa categoria de homens não é tão rara. O homem cumprimentou silenciosamente algumas mulheres e acenou para dois outros homens doutro lado da sala, avançou o território e sentou-se no lugar que pertencera ao velho. O silêncio era tão profundo que se escutava o arranhar dos pensamentos sendo engendrados na cabeça de cada homem e mulher ali presentes. Olhares se cruzavam, mãos roçavam nas paredes, mas nenhuma boca ousava romper o véu eclesiástico do ambiente. O homem, entediado, resolveu se ocupar analisando cada uma das figuras estanques da sala. Após inúmeras sondagens, chamou-lhe a atenção um rapaz doutro lado do caixão, que olhava fixamente para o chão, com olhares profundos e azuis, quase diáfanos. Este - ruminou o homem após um longo tempo observando o rapaz - Este com certeza tem gravado no coração um poema de Whitman, pode até recitá-lo a qualquer momento, mas é incapaz de recordar sua senha bancária. Que maravilha de expressão, de rosto, que olhar profundo! O homem levou a mão até as profundezas do bolso de sua calça e lá seus dedos encontraram um objeto e o trouxeram até a superfície. Um clique rasgou o silêncio em quatro, todos se sobresaltaram e olharam para todos os cantos, mas era tarde demais para descobrir o autor daquele barulho que se assemelhava com o disparo de uma câmera fotográfica. O homem, após meditar sobre cada uma das figuras, lançar sobre elas previsões não de todo descabidas - acusariam-no de astrólogo se pudessem ouvir os seus planeares - levantou-se de seu lugar e caminhou até a janela, com ares melancólicos. Ah! - disse baixinho - um morto! Afastou a persiana e olhou para a rua movimentada de carros. Um morto! - repetiu.
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O som de um passo perfurou o ar meditativo das pessoas. Todos olharam em direção à porta. Uma mulher entrou, e repentina e rapidamente sentou-se no lugar ocupado antes pelo homem. Sua roupa não era preta como a de todos ali reunidos e isso chamou a atenção de muitos - O que importa? - pensou ela - Luto! Luto! Como se não bastasse o morto, temos que engolir o luto! Esse pensamento brotou de seu cérebro de forma tão natural que ela temeu que tivesse sido ouvida por alguém. Levou a mão até os lábios e com ela ali permaneceu. Mãe, aquela mulher está fumando? - cochichou uma menina. As pessoas são sempre as mesmas... até nos velórios! Todos me olham, como se eu fosse o morto - pensou a mulher. Vestindo calças jeans e uma blusa branca, com os lábios rubros de batom e com uma flor vermelha espetada no peito, ela era uma verdadeira ruptura estética no ambiente. Seu olhar vagava como um besouro pela sala. Sua tez pálida chamava a atenção como uma luminária num ambiente escuro chama a atenção de insetos. De repente, cruzou as pernas e seu rosto adquiriu uma expressão de desdém, e com aquele gesto, audacioso nas palavras de alguns, eriçou a sala inteira, e por um ou dois momentos todos pareciam pássaros assustados, prestes a alçarem voo. Quem é? - perguntou uma mulher. Quem é o que? - replicou uma outra afetando ignorância. A mulher! A mulher com boca de fogo! - disse a primeira. Ah, ela? Deve ser o diabo que veio buscar o defunto. - respondeu a segunda. Valha-me Deus! - disse a primeira mulher abandonando a sala e lançando olhares terrificados em direção à todos. A mulher que, segundo os comentários de alguns presentes, chamava-se Helena, ficou espantada com o comportamento de todos, pois constatou não sem surpresa que a sociedade era a mesma até à porta do outro mundo. Soltou suspiros de enfado e abandonou seu lugar, saindo da sala. Que maluquice! - disse Helena de forma perceptível ao sair da sala - Que gente maluca! Parecem até... Parecem até... gente! Seu rosto assumiu uma expressão de horror.
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Burburinhos surgiram nos cantos da sala como fungos, aqui e ali pessoas comentavam a mulher estranha que acabara de abandonar a sala, outra metade da população geral da sala julgavam uma série de detalhes acerca do velório, e uma minoria, a saber, o homem da janela, continuava a suspirar calado. Crianças começaram a correr de um canto ao outro, mulheres sentavam-se e outras levantavam-se, alguns homens tomava café, outros fumavam, e um, apenas um, mascava chiclete. A mulher que havia fugido de Helena retornou a sala e voltou ao seu lugar. Os burburinhos cessaram repentinamente e houve um silêncio de morte na sala. Quem estava em pé voltou a se sentar e a maioria assumiu uma expressão mórbida no rosto, como se algo terrível estivesse prestes a acontecer. Uma moça olhava para o teto, indiferente ao clima geral. Outra, também apática a atmosfera que reinava no local, esquadrinhava o chão em busca de aranhas ou formigas, pois queria esmagar algo. De repente, uma senhora, com os óculos prestes a despencar do nariz, exclamou: Adoro batatas! Todos riram até as lágrimas. Mas a comicidade cessou quando outra mulher respondeu que não comia coisas que ficaram muito tempo debaixo da terra. Todos olharam imediatamente para o caixão e entreolharam-se envergonhados. Afinal, de quem é esse velório? - sussurrou uma mulher ao seu marido. Não é o seu? - respondeu o marido. Ora essa, deve de ser o seu! - replicou a mulher, enfurecida. Não, não é o meu! - respondeu mais uma vez o marido, cerrando os dentes. Então, deve ser o nosso! - gritou ela de forma tão estridente que toda a sala a escutou. O nosso! - disseram alguns. O nosso? - sussurraram outros. Todos empalideceram. Sim, o nosso! - disse o homem da janela se afastando dela e olhando fixamente para todos os presentes que imediatamente se levantaram e se aproximaram dele. Sorriam! - gritou o homem na direção dos presentes tirando uma câmera fotográfica de seu bolso e disparando um flashe em direção aos homens e mulheres que o olhavam embasbacados. O nosso! - disse ele abaixando a câmera e voltando o rosto para a janela.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Deus e o Diabo


Quando o Sertão virar o mar
E quando o mar virar Sertão.
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segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Le rouge et le noir


Existem livros e existem obras de arte. O primeiro gênero é abundante, o segundo, raro. O Vermelho e o Negro é uma obra de arte.




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