quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Hey, I´m just scared.

Quem me trouxe até aqui não foi o vento, não foi o acaso e não foi o destino. Quem me trouxe até aqui foi eu mesmo. Eu e esse abismo que se encontra agora coberto por um manto tênue de seda e estrelas, estrelas que brilham em nossos olhos nesse exato momento; revelando a imensidão de nossas procuras e perdas. Não quero revelar o nome disso aqui que sinto agora. Não, não quero. Me é assustador demais; É preciso coragem para retirar o véu obscuro e sorumbático que cobre o rosto da coisa. Sei que é aquele meu antigo amigo; é aquela carência da infância que soa os bandolins da esperança em nossas varandas. Eu, deitado na grama, observando os planetas e me enlouquecendo com as constelações internas que insistem em se mostrarem através de toda a beleza e a obscuridade das escolhas da vida. Preciso manter os pés no chão que eu criei para andar. Preciso olhar para a coisa e revelar nela aquilo que jamais poderá ser levado adiante. É preciso estar atento; é preciso escutar o alarme interno. É preciso "matar o bebê no berço" antes que ele cresça e se torna o assassino dos grandes poetas. É preciso saber olhar com aqueles olhos que invadem as almas alheias. Por enquanto, meu amor, só sei do que não é preciso, mas a precisão das coisas carrega um enfado tão longo e contínuo para se pensar, que é por isso que preferimos as falsas esperanças. Criamos momentos que não existem, criamos alegrias que brotam de nós e vão para nós mesmos. Me alimento de minha própria fofura. Minha insegurança é a mais falsa das deusas que carrego no peito. Ela é uma cartomante falaciosa. Ela não me revela futuros que estão logo após o primeiro passo, mas sim futuros que estão logo após o primeiro tremor da pele. Carrego em mim o mal de ser romântico. Carrego em mim a praga ocidental daquela saudade eterna. Carrego em mim a esperança mesclada com uma desesperança que, insuportavelmente, coexistem numa única esfera interna, em um planeta distante dentro de mim vive aquela chama humana que resiste aos tempos sombrios da vida. Cheguei até aqui e daqui é preciso partir. Mas é preciso também levar no pensamento a síntese do que se foi vivido e, friamente, levar a matemática antiga para os dedos e somar os dias e as noites, e somar as coisas que foram feitas e as coisas que foram desfeitas, e somar aquilo que foi dito e aquilo que não foi dito; a vida exige uma precisão que dói. Mas é dessa precisão que preciso. Preciso da segurança. Mas não daquela segurança enfadonha, e sim aquela segurança viva. Por enquanto, tateio o escuro em busca de uma mão para me levar até o fim dessa empreitada que foi erguida em prol da existência humana; exatamente em prol da minha existência. A vida que, até então, só se pode ser vivida uma única vez não valeria tanto a pena se não nos permitíssemos tanto. Mas a permissão não é a ignorância de ser levado pelo caminho das estátuas pálidas e dos quadros sem profundidade de certos caminhos. A permissão é algo que revela, é algo que permite o mundo se mover dentro de nós. A permissão é estar preparado para girar a máquina insuportável dos dias vindouros e registrar piamente as faíscas dos dias de outrora. A permissão é viver, mas acima de tudo, a permissão é deixar que as coisas vivam também. Deixar tudo respirar o próprio oxigênio. É preciso não ter pressa, pois o mundo gira sem as nossas mãos mesmo. É só olhar o tempo abrir suas engrenagens, olhar no fundo da máquina e depois, como num susto, quedar em um canto apavorado com o derradeiro e lúcido fechar de portas do tempo: É então que começa aquilo. Aqueles acontecimentos e aquelas velocidades.



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domingo, 18 de outubro de 2009

Grandes Esperanças

É algo no peito. É algo que começa a pulsar como se nunca houvesse pulsado. É algo que retorna de um antigo estado de latência e solta um grito que, silencioso e agudo como só os gritos podem ser, penetra a superfície pálida do mundo e reduz tudo a um grande quartel de cores explosivas. Um exército de pequenos sonhadores cavalgam os pensamentos e levam-me até algo que criei para amar. Esse algo está dentro de mim muito antes de saber que eu mesmo existia. Esse algo está lá antes do tempo, antes da aurora da vida. E estará no crepúsculo dela. É algo que não sei dizer o nome, porque não sei se há um nome para tão grande coisa diante de mim. O horror é olhar para isto e reconhecer isto como meu, como algo que está dentro de mim, mas que pertence irremediavelmente a você, quem nem sei quem é. Já escuto seus ruídos. Já sinto o cheiro de algo que meu desejo diz ser você. Daqui, onde eu estou parado, diante do mundo, já posso ver seu brilho milhas e milhas de distância. Você está brilhando. Longe, você brilha. No fim da estrada seu nome já começa a ser escrito no ar. Seu sol: meu Deus! Você trouxe o seu próprio sol e sim, você diz, que ele, o seu sol, é todo meu. Todo meu. Um sol. Dois sóis. Dois de mim. Dois de você. Nós. E então o mundo se fecha e eu só vejo o seu rosto na escuridão. Seu rosto que canta uma canção tão sedutora. A flauta de seus lábios emiti a música que esteve tocando dentro de meus olhos toda a minha vida. Você trouxe isso de volta. Isso que estava em mim, que está em mim, que estará em mim, você trouxe isso para a superfície pálida do mundo. Te desejo como um morto deseja viver novamente. Te desejo como um furacão deseja engolir um país inteiro. Sua imagem me consome e me aflora para o mundo. Estou pronto, estou lapidado até o último nervo de mim. Estou aqui e estarei aí, dentro desse algo que você chama de amor. Acabei de desenterrar meu futuro e ele brilha tanto dentro do gomo de minhas mãos. Eu não sei o que fazer com tanta esperança que existe agora dentro desse momento que vivo. Tenho medo que tudo se quebre como a vida se quebra ao final de tudo. Tenho medo de suas palavras, que me são tão nuas que de medo então corro da nudez delas. Nunca havia visto tanta transparência em minha vida. Nunca havia visto uma lua tão despida de seus mantos como seu olhar pairando diante dos meus. Como um olho que se despregou do rosto que ocupou a vida inteira, seu olho voa longe e vê, como quem vê um espírito, o desejo transferido no mundo dos homens. Somos espectros. Somos ventos que chacoalham os galhos da vida. Estamos a sós, nesse momento, um desejando permear o outro. Um desejando sentir o que é a vida para o outro. Sim, nós queremos ser salvos. Salvos de que? Não sei, mas queremos. E agora, como um último golpe, como uma última graça, como uma última estrela que brilha num patamar longe de nós, eu te digo também despido e com sinceridade: Tu que vens de longe, Tu que vens de um sonho meu, Tu que vens de dentro das minhas águas pantanosas, te digo como quem diz a última palavra da vida: É você o meu Messias!


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segunda-feira, 12 de outubro de 2009

A vida não é um por exemplo.

Suas palavras têm a duração de um dia. Elas não vão além de um dia. E eu? eu vou, vou além e aquém de um dia. Talvez esse seja um defeito ou uma qualidade, não sei. O fato é que eu estou pregado como um inseto em uma teia de aranha. Pregado em certas palavras. Estou lá no centro de suas vibrações, esperando para ser comido por aquelas palavras. Palavras ditas no calor espumante de um fim de noite. Um calor mais espumante do que aquele que há no centro da terra. O calor que senti foi importante, porque foi um maldito calor humano. Um fogo que saiu de seus olhos e queimou os meus olhos lá no escuro de nós. E você disse todas as palavras que eu esperava que dissesse, e você me abraçou com a força de um leão. Me derrubou dentro de seu corpo e me fez perder a luz. Eu não queria a luz, talvez nunca quis. Talvez estivesse cansado de enxergar e quisesse apenas estar cego dentro do seu escuro. Ser guiado pelos sons das palavras ondulantes que você me dizia. Como eu sabia, meu Deus! Como eu sabia que aquele momento seria em vão. Porque ele não comportava destino, não comportava nem passado e nem futuro, era apenas um recorte de algum tempo que nunca existiu e que jamais existirá. Era um momento inexistente que incessantemente eu fabriquei para o meu deleite e terror. Era uma pequena luz que se acendia com a força do meu giro. Girava feito um bailarino sobre o momento, para que aquele momento faiscasse, e foi apenas isso: faíscas. Então eu me volto para o seu rosto e lhe digo, caro amigo: Não estou a fim de ser mais o menino maduro e amigável. Estou a fim de ser louco, ou melhor, estou a fim de assumir o que sempre fui: um louco! E agora estou bem cansado de toda sanidade falsa que permeia as relações humanas. Estou a fim é de arder no fogo da minha loucura. Estou a fim de lançar maldições contra seu destino e seu corpo. Estou a fim de gritar seu nome pelo ar e explodir estrelas com todo a força sonora que repercutirá de meu grito, que nem por isso será menos silencioso. Quero rasgar seus olhos e macular sua pele, sua pele falsa. Sua pele quero macular. Quero também destruir seus sonhos, explodir um a um como quem explode balões num fim de festa. Quero atirar meus cães contra você. Quero detonar bombas nos vãos de teus pensamentos e fazer você sacudir e implorar pela calmaria de meus braços. Mas não, não! Quando tudo for um mar calmo, eu serei a tempestade. Quando tudo for sorrisos, eu serei os gritos, serei milhões de loucos vagando pelo seu quarto. Cansei da sanidade. Agora quero provar do líquido da loucura. Beber caixas e caixas do licor desse amor que consome as minhas entranhas e queima meus ossos. Beber dele para que ele se esgote no mundo e se perca no umbral de toda a perdição. Quero esquecer tudo, mas sei que antes do esquecimento total será necessário a rememoração total de todas as luzes que piamente desejo apagar. Suma de minha vida, minha dor! Suma de meus sonhos e de meus pensamentos. Suma de minhas dissimulações. Suma dos meus nervos ensandecidos do suor noturno que ainda se embebeda pelas palavras outrora ditas agora perdidas. Suma! E quando gritei e recriminei tudo o que você havia feito contra mim, logo me lembrei que você não fez absolutamente nada. Tudo que foi feito foi eu quem o fiz. Foi eu quem foi lá e te ergueu de teus pesadelos vivos e te levei como um pássaro leva um graveto no bico para tua casa na esperança de construir um ninho. Foi eu quem me machuquei o tempo todo. Sempre soube que suas palavras têm a duração de um dia. Sempre soube que não devo confiar em um mísero ponto de exclamação que você emitir. Sua voz é névoa e se dissipa com a mudança do tempo. Suas promessas entrecortadas são sonhos líquidos que escorrem por entre os meus dedos. Aprendi que tudo o que você disser até então é para ser descartado por mim como algo verdadeiro, pois você não sabe o que diz, ou talvez saiba, mas isso seria perversão demais para se imaginar. Odeio você mas odeio muito mais a mim mesmo por não saber como me livrar de algo que sequer existe no mundo real. O fato é que sequer sei se existo no mundo real ou se sou apenas uma ilusão de mim mesmo. Um personagem criado para interpretar essa mente que lateja em busca de um lugar para morar. A vida não é um por exemplo, mas é dos exemplos que você vive. E a perda para mim é tão intensa e para você e só uma perda, e isso foi o meu sonho quem me disse. E me disse certo. Haverá um oceano dentro de mim, eu sei que haverá, e eu vou cruzá-lo até o fim de meus dias. Essas palavras para você são apenas um emaranhado de tentativas que não significaram nada, eu sei. No momento sinto uma vertigem e minha vontade é a de mergulhar nesse texto que escrevo e sumir do mundo. Mas isso não é solução para nada. Isso é apenas sono e cansaço. O menino maduro se despede agora e quem chega das trevas é o louco cansado de esperar por sua vez para agir com insanidade no mundo dos dissimulados seres humanos saudáveis. Odeio você.


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sábado, 3 de outubro de 2009

O Estrangeiro - Fragmento II


" O suor acumulado nas sobrancelhas correu de repente pelas pálpebras, recobrindo-as com um véu morno e espesso. Meus olhos ficaram cegos por trás desta cortina de lágrimas e de sal. Sentia apenas os címbalos do sol na testa e, de modo difuso, a lâmina brilhante da faca sempre diante de mim. Esta espada incandescente corroía as pestanas e penetrava meus olhos doloridos. Foi então que tudo vacilou. O mar trouxe um sopro espesso e ardente. Pareceu-me que o céu se abria em toda a sua extensão deixando chover fogo. Todo o meu ser se retesou e crispei a mão sobre o revólver. O gatilho cedeu, toquei o ventre polido da coronha e foi aí, no barulho ao mesm tempo seco e ensurdecedor, que tudo começou. Sacudi o suor e o sol. Compreendi que destruíra o equilíbrio do dia, o silêncio excepcional de uma praia onde havia sido feliz. Então atirei quatro vezes ainda num corpo inerte em que as balas se enterravam sem que se desse por isso. E era como se desse quatro batidas secas na porta da desgraça."



Albert Camus.



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