domingo, 29 de agosto de 2010

Fragmento




"Aos poucos a fé se enfraquecia. É difícil acreditar numa coisa quando se está sozinho e não se pode falar com ninguém. Justamente naquela época deu-se conta de que os homens, ainda que possam se querer bem, permanecem sempre distantes; que, se alguém sofre, a dor é totalmente sua, ninguém mais pode tomar para si uma mínima parte dela; que, se alguém sofre, os outros não vão sofrer por isso, ainda que o amor seja grande, e é isso o que causa a solidão da vida. (...) Entretanto o tempo voava; sem reparar nos homens, passava aqui e ali pelo mundo, mortificando as coisas bonitas; e ninguém conseguia escapar-lhe, nem mesmo as crianças recém-nascidas, ainda desprovidas de nome."

Dino Buzzati, em O deserto dos Tártaros. Pag. 191

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terça-feira, 24 de agosto de 2010

A loucura do mundo


O cinema em si não é uma arte, mas é um meio de obtê-la. Diante da profusão de filmes insípidos, narrativas obtusas que têm como meta apenas a lobotomização do expectador, encontrar no caminho de toda essa pedreira um metal precioso como Diabel (1972) é sem dúvida o catalisador de um prazer imenso. Filmes como esse ocupam o lugar naquele tipo de cinema que não pode ser qualificado somente como uma contínua e coerente exibição de imagens, é, alem disso, uma obra, sem dúvidas, de arte. Somos imediatamente jogados numa vertiginosa galeria de acontecimentos que nos expulsam do lugar de simples expectadores e nos remetem, com força gravitacional, ao núcleo de um sentimento que, além de provocar um estranhamento profundo sobre nossas convicções, nos empurra a fazer uma visita perturbadora ao inferno do mundo, e, aquém disso, ao nosso próprio inferno. O filme não cai no cinismo turístico de preservar o expectador transformando-o num simples voyeur dos acontecimentos, mas antes o convida à sua revelia a ser a peça fundamental de uma profusão de narrativas sintomáticas. A câmera, que assume movimentos caóticos, é um componente fundamental da experiência estética que o filme proporciona. Mesclando loucura, obsessão, traumas, fetiches, homossexualidade reprimida e exaltada, traição, assassinatos, guerra, perseguições, o filme sintetiza e cria um verdadeiro compêndio do mal. Bastaria um deslize para transformar a obra num suspense psicológico abobado ou numa simples narrativa de terror, mas a maestria de quem o produziu o transforma em algo que é digno de receber o título de inclassificável, não por falta de características para enquadra-lo num gênero, mas antes pelo excesso delas. Não cabe aqui uma sinopse do filme, mas, à maneira de um diário, apenas o registro das sensações que o filme me causou. Fazer com que o expectador participe do enredo não só como um turista que têm entre si e o evento um guia, mas engendrando-o na narrativa como um atuante, desligando a suposta segurança espacial, faz do filme uma experiência psicológica imprescindível. O grande azar é que não existe a nossa disposição um Virgílio que segure a nossa mão nessa turbulenta viagem à loucura do mundo. Só quando a balsa nos abandona novamente em nossa baía é que percebemos que acabamos de retornar de uma verdadeira temporada no inferno e, se antes entendíamos o inferno como algo separado do mundo, não poderemos contar com essa mesma certeza ao término da película.
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quarta-feira, 4 de agosto de 2010