sexta-feira, 6 de março de 2009

Ludus

É engraçado perceber que eu não consigo mais escrever uma linha sem puxar uma célula para dentro do inconsciente e transforma-lá em paisagem submersa. O eu se perde no caos. E continua difícil distinguir o que sou eu e o que é o outro dentro desse emaranhado de personalidades que coexistem em uma só entidade psíquica. Acordo às 7:00, e tento me lembrar do sono. Tento me lembrar a forma mágica de dormir, de desligar ou pelo menos reduzir o potencial dos aparelhos de percepção. Levanto como alguém que nunca deixou de dormir, que nunca foi lá acordar e dizer que isso aqui é a realidade, porque ninguém tem autoridade de definir o que é sonho e o que é real dentro da vida. Somos todos tão transparentes, que tudo se perde na infinita transparência de tentar reconhecer no outro a si próprio; é quando nasce o amor. Quando alguém reconhece na transparência aquilo que lhe é intrínseco. Somos tão reveladores, que mal percebemos que a cada passo que damos em direção ao outro, não consiste em apenas um passo, mas sim em uma mensagem codificada e que clama por tradução. Uma célula se liga a outra célula, o mundo nasce, a gente morre, mas a vida persisti dentro dessa confusão. É nela que encontramos o objetivo, e o objetivo é confundir e confundir-se, para que nada seja fácil, para que nada seja eloquente como um grito, e codificamos tudo. As palavras, os gestos, o olhar e tudo que fazemos é tão enigmático, um quebra-cabeça daqueles cansativos, que ninguém tem paciência para montar e revelar; paciência não é de longe uma qualidade humana, criada para os deuses essa paciência, pois aqui, onde me encontro, e onde todos se encontram, só os fantasmas podem ser pacientes - a vida por si só não é dotada de paciência, mas sim de rebuliço, de forças que vão além e aquém de qualquer força física e/ou psíquica. Esse texto é mais um enigma humano, porque ele não quer dizer nada. Ele não pode dizer nada, porque ele já foi dito, e uma vez dito perde sua força e desaparece no universo. O título do começo é ludus, do latim: diversão. O que acontece é que não vejo essa coisa em nenhuma língua, em nenhum humano, e não vejo diversão em nada, só uma confusão que de tão confusa te faz feliz. Ao longo desse tempo de vida eu percebi uma coisa interessante, e claro, muitos vão discordar, mas no fundo todos vão se perguntar. Minha descoberta consiste na felicidade. O que é felicidade? E eu vos digo, felicidade é a ignorância. Quanto mais descobrimos sobre o mundo mais infelizes nos tornamos, porque ao percebermos que não há respostas disponíveis para àqueles que as procuram, nos deparamos com uma frase secular, e que está enraizada no planeta como uma grande árvore: tudo que sei é que nada sei. O que eu digo é que o homem sábio é nada mais do que um ignorante duas vezes, porque na primeira vez ele não sabia, e na segunda tentou saber e descobriu que nada se permite saber, e torna a ser ignorante; mas como conter essa ferramenta de escavação que é o cérebro? é nessa pergunta que chegamos ao assombro da mais profunda escuridão: estamos destinados a falhar!

2 comentários:

Anônimo disse...

somos tão reveladores, que vemo-nos estampados em palavras impressas em peles alheias, como escárnio corroído pelo atrito do tempo e do vento, expostos tão verosmente reais que não nos choca observar (e ver) o quão metástase de uma neoplasia abstrata nos tornamos. a medida que, a cada célula do inconciente levada por diversão, para dentro do psicológico, é o produto de divisões equacionais incontroláveis.

somos emaranhados de tecidos, e mesmo com as qualidades biológicas a nós atribuidos, questionamos o potencial dos nossos corpos, ou nossa capacidade de angiogênese.

há 3 anos o homem concluiu seu mapa genético, basta agora aprender a descodificá-lo.

=]

alex.n disse...

"Quando alguém reconhece na transparência aquilo que lhe é intrínseco"
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A certeza da falha nos dá a liberdade de errar! e errar ensina, educa, dói, constrange...

Desejo ventos leves pra ti!

Dear, dear, dear!