quarta-feira, 17 de março de 2010

O mundo pós-aniversário.

Um passo adiante e sinto o planeta retroceder. Gira ao meu redor, como ponteiros, esses milhões de astros, e meu antropocentrismo joga nas mãos deles o destino que inventei para me curar da falta deste. O calendário se desfaz, os dias de papel se esfarelam e eu vou adiante, seguindo o caminho astrológico da precisão. A aurora que chega se bifurca, inventa escolhas, mente revelando uma verdade. E as horas que até então só existiam no relógio saltam de dentro dos números e tombam na realidade, tombam sobre a pele da noite, sobre as estrelas que, com a chegada destas, se liquefazem. Meus nervos lutam para que o dia de hoje não seja uma réplica perfeita do dia de ontem, não! não quero clonagens. É preciso reinventar algo. É preciso reinventar a roda, o fogo, o mundo. E se a máquina que nos atrela continuar a insistir em me levar junto dela, em suas engrenagens, eu juro, eu juro que boto fogo nela, porque do espírito de Nero me vejo possuído. E como o primeiro homem que surgiu sob a superfície da terra, eu vou gritar, mesmo sem saber se o que gritarei terá um significado. Vou gritar por esporte, por sadismo, por pura perversão; quero ver o silêncio sofrer. Dois passos adiante e sinto a História retroceder. Sinto uma vida inválida, nula, rasgada. Sinto um sol queimando um mundo, não sei que sol é e nem que mundo é. Dou-lhe nomes, mas isso não lhes tira a falta de sentido. Enxerto almas em todas as coisas que me aparecem pela frente. Vou seguindo. Dando nomes, enxertando almas, fabricando escolhas. Tomo das pernas da aranha a sua arte: quem tecerá destinos, agora, será eu, e não os astros. Enterro mais um ano de pura fatalidade. Ora, e não é um acidente ainda estar vivo?
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