sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Portokali

A parede é laranja e nós somos âmbar. A luz plasmática sorve nossos olhos e nos coagula em uma coisa só. O teto é branco e nós somos o vermelho da noite sobre a cidade. A cidade. A cidade que emerge e imergi dentro de ambos. Ambos os lados coagulados, imergindo no líquido íntimo da medula. Somos iguais e concomitantemente tão diferentes. Somos uma coisa só, partida em duas metades descoradas e podres, que só se tornam vívidas quando unidas em uma coisa só. É isso. É um continente inteiro de homeotérmicos. É um país governado por cores tresloucadas, que se misturam pelo céu a noite e desabam pela cidade. Quando você me olha, tudo se desfaz, pois sou fraco perante seus olhos. Uma canção de amor. Um lugar-comum, os romancistas o repetem. Eu o repito. Repito-me pelo ano inteiro, o decênio inteiro. A verdade é que sem sua gravidade eu me sinto o que eu realmente sou e, por você, me esqueço de ser. A parede é laranja e nós sequer existimos. Existência exige dor, e não há dor aqui. Desistimos de existir então. Existência é pouco, é muito pouco.

O mundo implodiu e tenta reaparecer toda vez que somos obrigados a existir. Uma luz leitosa invade os poros. Somos obrigados a existir. Se formos existentes, que seja breve então. Que seja um sopro. Verdade única é que ninguém suporta o peso existencial. Vamos partir em breve então, como dois condenados. Mas estaremos sempre aqui, coagulados em uma coisa só. A luz é branca e inerte, é paralela a nós mesmos. A parede é laranja e somos observados pelos olhos flutuantes do deus dos homens. Não somos homens, não somos mulheres, não somos humanos. Somos qualquer coisa. Qualquer coisa menos humana. Humanidade é terrível. Quando você me olha, o mundo inteiro não é nada. Nunca foi nada. É só uma criação em desuso; em constante rotação. É um mero parasita e nós também o somos. Parasitas de nós mesmos. A parede é laranja e o mundo inteiro é ineficaz.


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Para você.

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3 comentários:

alex.n disse...

A parede é laranja e a lua é só uma pedra que observa vocês em movimentos circulares, como quem vela o sono das plantas, o silêncio das enfermeiras, o descanso das borboletas...

Anônimo disse...

Existência não é nada.

Anônimo disse...

a hora da edelweiss chegou!! Os alpes suicos deveriam tomar conta do mundo pelo tanto que deveria trazer!