sábado, 12 de setembro de 2009

Imagens

A noite foi obscena de tão lúcida. O fato é que a dor transforma todas as coisas em arte. Então eu caminho sobre esse fio e faço de mim mesmo algo que eu possa criar. No escuro todas as incertezas são certezas, e andar sabendo que seus olhos pairam sobre mim como um sol me faz arder de febre. As palavras são inúteis, as ações são inúteis, agora, nesse exato instante do evento tragicômico que é nossas vidas. Só me resta gritar. Esse grito interno que ecoa e a tudo engole para depois reciclar. Traga-me seu filho! Há um prédio sendo demolido dentro de mim, e ele é levado ao chão mil vezes por dia; o mesmo prédio. Há uma cidade inteira sendo devastada dentro de mim por um oceano que só é doce para aqueles que nele não naufragaram. E olhar para uma cena que um dia você viveu sendo repetida sem você é atroz, e carrega em si as doses exacerbadas do iluminismo sombrio. O fato é que agora você dorme, e dorme envolto de toda uma tranquilidade que eu sempre sonhei conquistar. Talvez esteja nos braços que não são meus, talvez esteja entre as pernas que não são minhas e talvez esteja olhando dentro dos olhos que não são meus. Não são meus, mas foram, um dia foram, um dia em nossa vida tudo é. Observar a ação que provoca meu sofrimento é de uma violência sem precedentes, e o que mais assusta é a banalidade desse sofrimento. A verdade é que eu não sabia que o nosso amor era tão pequeno. Mas ele sempre foi. Ele era sensível, pois quem sabe, era apenas uma tentativa que nunca se tornou verdade. Agora todos esses sentimentos transbordam do meu corpo e eu nada posso fazer. Eles estão indo, cada vez mais longe, estão indo. E eu não posso agarra-los, eu não posso absorve-los novamente e fazer deles algo meu, pois estão perdidos desde o dia em que eu parei de lutar, parei de falar e parei de olhar para todas as coisas que imploravam para serem vistas, amadas e resolvidas. Pois é esse o mecanismo onde eu não posso viver, esse é o dispositivo que eu me tornei por um tempo e que eu logo reconheci não ser meu, mas sim uma emulação de coisas que nós, tolos e belos humanos, tentamos reproduzir. Traga-me seu filho! Seu olhar está dentro da minha cabeça e você inteiro me dói. Você está aqui, rodando e rodando dentro da minha cabeça com um filme que nunca pára e nunca desisti de ser visto em seus mínimos e terríveis detalhes. Terríveis porque são lúcidos demais para serem suportados pelos nossos ombros, e as coisas lúcidas carregam em si a fatalidade de serem mais pesadas e mais tenebrosas. E por isso bebemos, e por isso esquecemos, e por isso voltamos a lembrar, e por isso somos lembrados e por isso nós lembramos, e por isso nós não somos mais. E eu lhe pergunto, se você fosse um pensamento você gostaria que eu te pensasse? Minha linda máquina de fazer ódio está ao meu lado esquerdo e meu corpo está ao meu lado direito, e quem escreve aqui não sou eu, ou talvez seja tão eu que eu não reconheça esse ser; é que usamos tantas máscaras e fantasias que nosso verdadeiro ser se esquece nos adornos e quando tudo que nós queremos é retirado e sobra somente o eu puro e metálico, se torna assustador a imagem e a representação verbal de nós mesmos. A sua imagem e a imagem dele estão petrificadas em mim, congeladas no tempo como uma gota de orvalho que nunca atingiu o chão. Sou seu porque ainda não voltei para mim mesmo. Ora, amar é isso, amar é abandonar o próprio corpo em busca daquele corpo que está diante de nós oferecendo o abrigo para nossas turbulentas almas. Minha alma ainda está em seu abrigo, em seu templo, em sua voz. E por mais que suas palavras tentem liberta-la, por enquanto eu te digo, quem libertará ela será meu corpo que sentirá a falta orgânica do suspiro que evoca vidas e vontades; minha alma estará de volta em meu corpo logo quando eu compreender verdadeiramente essa situação tão delicada para mim. O meu orgulho é grande demais para que eu admita que faço e fiz algumas coisas porque sou perdidamente tresloucado. Pronto! Meu orgulho acaba de ser ferido no instante em que eu contei o segredo que ele tanto guardou. E o que eu tenho a dizer é que eu sinto verdadeiramente vontade de esquecer tudo isso, mas algo em mim não quer esquecer, algo em mim precisa falar. Falar, falar e falar até perder a consciência do mundo e dos significados deste. Mas o amor, meu caro, me faz funcionar como um redondo relógio de ouro. Então o que me resta fazer é tentar tomar meu lugar entre os elementos. A verdade é que a noite toda seu hálito de mariposa flutuava perto de mim, até eu acordar e ouvir longe, um mar se movendo em meus ouvidos; era você, tão longe como o mar que eu nunca conheci.


"boys on my right side
boys on my left side
boys in the middle
and you're not here
boys in their dresses
and you're not here
You´re not here"

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