terça-feira, 22 de setembro de 2009

Memórias De Adriano - Fragmentos I

"De todas as venturas que lentamente me abandonam, o sono é uma das mais preciosas, embora seja das mais comuns também. Um homem que dorme pouco e mal, apoiado sobre dezenas de almofadas, medita com vagar sobre essa volúpia diferente. Concordo que o sono mais perfeito é necessariamente um complemento do amor: repouso tranquilo, refletido sobre dois corpos. Mas o que me interessa aqui é o mistério específico do sono saboreado por si mesmo, o incontrolável e arriscado mergulho a que se aventura todas as noites o homem nu, só e desarmado, num oceano onde tudo é novo: cores, densidades, o próprio ritmo da respiração, e onde tudo reencontramos os mortos. O que nos tranquiliza no sono é a certeza de que dele retornamos, e retornamos os mesmos, já que uma estranha interdição nos impede de trazer conosco o resíduo exato dos nossos sonhos. Outra coisa nos tranquiliza ainda: é que ele nos cura temporariamente da fadiga pelo mais radical dos processos, isto é, arranjando para que cessemos de existir durante algumas horas. Nisso, como em outras coisas, o prazer e a arte consistem em nos abandonarmos conscientemente a essa bem-aventurada inconsciência, consentindo em sermos sutilmente mais fracos, mais leves, mais pesados e mais confusos do que nós mesmos. A morte e a ressurreição. "


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