sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Paleografia


No começo era o papel, ou melhor, no final. O papel se tornou a vida póstuma da Natureza. Tudo fora destruído. As árvores queimadas e os rios submersos dentro das profundezas das árvores. As cidades se tornaram submersas dentro de outras cidades, e assim, com o número vasto de cidades, se tornou uma caixa dentro de outra caixa com ares de infinito. O peso dos séculos tombou sobre este lugar e no sitio pós-destruído houve inumerosas novas destruições. Aqueles tipos de destruições cuja as garras e somente as garras do tempo são capazes de promover. Houveram então as milhões e milhões de horas, e seguida delas, os milhões e milhões de dias, e para além deles, os milhões e milhões de meses. E os milhões e milhões de anos correram insolitamente por entre esses nomes. E como tudo era criação de mentes cuja as consciências não se sentavam mais sob o trono daquele lugar, o tempo parou de funcionar. A invenção desinventou-se. E o que foi deixado para trás era um vazio preenchido de elementos anônimos. O papel, único sobrevivente desse nano desastre cósmico, ganhou os espaços, e para além deles, o universo. Percorrendo distâncias insondáveis e num período de horas incronometráveis, os papeis ganharam novos mundos e despencaram dos céus desses outros mundos como um estranho evento meteorológico. Flutuaram sob outras paragens e ganharam atenção especial de certos seres que aqui, neste relato, são impossíveis de se descreverem. Iniciou-se nos confins do universo uma obsessiva e minuciosa Paleografia. A escrita guardou e recriou a natureza humana.


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