terça-feira, 27 de julho de 2010

O sujeitinho excêntrico da caverna

Talvez seja mais importante sentir que entender.
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No inferno o tempo não passa!, - foi a primeira coisa que ele disse ao sair da caverna. Porém, ao sentir o sol queimar-lhe o rosto, o vento a soprar contra suas narinas o perfume da vida, e, finalmente, ao sentir o tempo tombar sobre ele e recuperá-lo definitivamente, logo se apercebeu aterrorizado de que do momento em que a pedra despencou e o trancou na caverna até o momento em que escutaram seus gritos de garça desesperada e o libertaram só escorreu uma hora da grande ampulheta universal dos sistemas. Mas juro para vocês que fiquei trancado lá dentro por no mínimo mil anos! - Disse ele com a voz um pouco fraca, ainda arquejante, aos três guardas florestais que o haviam libertado da caverna. "Que história misteriosa" - pensou o primeiro deles - "Uma boa história para contar à Ana e ao Frederico. Será que estão bem? Sinto saudades, mas compreendo, ah!, compreendo que no fundo no fundo estão bem melhores com a mãe." - Definiu seu pensamento e olhou as folhas verdes das árvores, melancólico. Rapazes! Meus bons rapazes! Muito obrigado! Muito obrigado! - gritou alegremente o ex-prisioneiro da caverna para os três guardas florestais, dando pulos de alegria, rodopiando no ar com piruetas que pássaros invejariam, dando beijos molhados nas bochechas rosadas e frias dos três homens. "Sujeito estranho, afetado, merecia ter ficado trancado para sempre!" - Pensou o segundo, olhando com desdém para o "sujeitinho excêntrico da caverna", como ficara conhecido o homem a partir deste dia. O terceiro, o mais jovem dentre os três guardas, de nome desconhecido, pois todos os crachás estavam virados ao contrário, era o único a mostrar em seus lábios um ricto de sorriso contido. Talvez o rosto sério dos outros dois e o comportamento espasmódico do ex-prisioneiro o advertisse que era melhor disfarçar a enorme vontade que ele tinha de soltar gargalhadas. Foi então que ele perguntou ao homem excêntrico, abrindo a boca sem disfarçar a risada que escapava dela como um pássaro escapa da gaiola:
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- Senhor! - hesitou um pouco, depois continuou - Mas senhor, o que foi fazer lá dentro?
- Curiosidade! - Respondeu o homem.
- Curiosidade em que, meu Deus? Como vê, é apenas um buraco. Nem sequer tem as belezas de uma gruta ou o ar pitoresco de um sítio arqueológico. Por acaso viu aí dentro pinturas rupestres ou fósseis pré-históricos?
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Os dois guardas florestais olharam com espanto para o terceiro, e o homem, sorrindo, respondeu que, na verdade, havia se escondido de um urso que começara a persegui-lo pelo bosque todo.
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- Impossível senhor - mais uma vez o jovem guarda - Não existem ursos aqui. Nunca vi um urso em toda a minha vida! E se o senhor me dissesse que viu fadas ou gnomos acreditaria mais.
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Os outros dois guardas continuaram a olhar espantados para o companheiro. E o homem, sem interromper o sorriso, respondeu-lhe que corria de ursos que não se veem, pois são ursos fantasmas. Nesse momento os outros dois guardas florestais soltaram gargalhadas tão estridentes que ecoaram por todo o bosque, fazendo, ao longe, pássaros erguerem voo de seus ninhos e capivaras se esconderem em suas tocas. O jovem guarda, ao contrário, não riu, escondeu o rosto luminoso de antes e repôs em seu lugar uma face sombria, misteriosa:
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Fantasmas. - disse ele, quase imperceptivelmente.
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O homem sorria em demasia, seus dentes emergiam da gengiva como ossos lustrosos, e a luz solar, que desaparecia gradualmente, lançava sobre esse sorriso os seus últimos raios, fazendo o rosto do homem assemelhar-se antes a uma caveira recém-descoberta na caverna que um ser vivo.
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- Talvez você seja um fantasma e por esse motivo vê fantasmas - disse o jovem, agora em voz alta, enquanto os outros dois guardas intercalavam gargalhadas com caras de espantos em direção ao companheiro.
- Senti tanto medo trancado dentro daquela caverna, senti fome e sede, e por um ou dois momentos achei que ficaria para sempre lá. Então, como posso ser um fantasma? Fantasmas não sentem nada, talvez apenas andem por aí a perseguir pessoas, só. Não sou um fantasma, meu caro, não graças a vocês que, com a força dos heróis (os dois guardas fizeram ouvir um breve ronco sair de suas bocas, talvez prelúdio de mais uma das gargalhadas) me salvaram das garras do Hades que encontraria se ficasse preso nessa caverna - ele girou o rosto e fitou o buraco da caverna.
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O jovem guarda ouviu atentamente, aproximou-se mais do homem, olhou-o com ternura. Um vento forte passou por todos eles, e virou os crachás com sua força para o lado correto, revelando ao homem o nome de cada um dos guardas. Mas ele só prestou a devida atenção ao jovem e descobriu, inscrito no crachá como em letras de um alfabeto antigo, o nome Homero Silva. Foi como se a névoa que cobria o rosto de cada um deles se dissipasse, revelando a todos os outros a máscara antes escondida por baixo do cinza escuro da falta de hábito.
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O homem aproximou-se mais do jovem, cravou os olhos arregalados no crachá, deslizou os dedos na foto 3x4, tamborilou a ponta da unha sob a foto e, erguendo os olhos, fitou o rosto do rapaz. O rapaz sentiu o terror fremitar em seus nervos e recuou. Quando os últimos raios de sol dardejaram contra o rosto do homem, o jovem guarda pôde ver, escorrendo de um dos olhos, uma lágrima que caiu na relva como uma gota de chuva, perdida para sempre. Os outros dois guardas entraram em êxtase de espantos e cada pergunta que surgia em seus cérebros era engolida por outra que surgia concomitante. Foi então que o homem se ajoelhou aos pés de Homero, abraçou-lhe as pernas e, ainda chorando disse, fitando o rosto do jovem, com uma voz que parecia sair antes de seus olhos que de sua boca:
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- Foi Zeus quem te mandou aqui!
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