sexta-feira, 30 de julho de 2010

A Viagem - Fragmento


"A manhã estava quente, e o exercício de ler deixara sua mente contraindo-se e expandindo-se como uma mola principal de um relógio. Os sons do jardim lá fora uniram-se aos relógios e aos pequenos rumores do meio-dia, que não se podem atribuir a nenhuma causa definida, todos num ritmo regular. Era tudo muito real, muito grande, muito impessoal, e depois de um ou dois momentos ela começou a erguer o dedo indicador e deixá-lo cair sobre o braço da cadeira como se trouxesse de volta alguma consciência de sua própria existência. Em seguida foi tomada pela estranheza indizível com relação ao fato de estar sentada numa poltrona, de manhã, no meio do mundo. Quem era as pessoas movendo-se na casa... movendo coisas de um lugar a outro? E a vida, o que era aquilo? Era apenas uma luz passando na superfície e desaparecendo, como ela mesma com o tempo desapareceria, embora os móveis do quarto fossem ficar? Sua dissolução tornou-se tão completa que não conseguia mais erguer o dedo, e sentou-se totalmente quieta, olhando sempre o mesmo ponto. Tudo se tornava cada vez mais e mais estranho. Foi assaltada pelo assombro de que as coisas talvez nem existissem... Esqueceu-se de que tinha dedos para erguer... As coisas que existiam eram tão imensas e tão desoladas... Continuou consciente dessas vastas massas de substância por um longo tempo, o relógio ainda tiquetaqueando no meio do silêncio universal."

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Virginia Woolf, em A viagem. Pag. 194


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